CORPO DE DELITO
Paula Rego «Dancing Ostriches» triptych, 1995
(pastel on paper mounted on aluminium)
*
*
CORPO DE DELITO
AS MÃOS E A ROSA
(Relatório)
Na madrugada pardacenta
entre armações veleiras
no cais dos pescadores
era ainda o horizonte
coalhado de vagalumes
a Polícia Geral
surpreendeu
a existência clandestina
temerária
para mais parecendo apetecida
de duas mãos e uma rosa
Estes objectos
se passam a descrever:
Rosa sem qualificação particular
entre rosa e vermelho
pétalas semi-abertas
como a boca da detida
a quem pertencia uma das mãos em questão
A outra mão sombria
de pêlos lavrada
e veias atravessada
pertencia ao cidadão
por quem naquele instante
a detida era abraçada
As mãos possuíam a rosa
A rosa era possuída
As mãos mutuamente
possuíam as mãos
E cada pessoa
depois na prisão
se declarou possuidor
da mão que possuía a outra mão
que possuía a rosa
E cada um deles
com grande arrogância
se declarou possuidor
da pessoa do outro
no mesmo teor
em que o eram da rosa
através dum fenómeno
a que chamaram amor
Detiveram-se os três objectos
mas não havendo instrumento
para separar as mãos
dos corpos respectivos
prenderam-se os corpos também
e ainda bem
pois possuindo-se
mutuamente segundo a declaração
bem é que fiquem na prisão
pois todas estas posses
− tanta posse tanta posse −
se verificaram à margem
da Teoria da Tributação
****** Eu José Calcador
****** da Polícia Geral
****** de Sua Majestade Solar
****** El-Rei D. Nabucodonosor
AS MÃOS E A ROSA
(Relatório)
Na madrugada pardacenta
entre armações veleiras
no cais dos pescadores
era ainda o horizonte
coalhado de vagalumes
a Polícia Geral
surpreendeu
a existência clandestina
temerária
para mais parecendo apetecida
de duas mãos e uma rosa
Estes objectos
se passam a descrever:
Rosa sem qualificação particular
entre rosa e vermelho
pétalas semi-abertas
como a boca da detida
a quem pertencia uma das mãos em questão
A outra mão sombria
de pêlos lavrada
e veias atravessada
pertencia ao cidadão
por quem naquele instante
a detida era abraçada
As mãos possuíam a rosa
A rosa era possuída
As mãos mutuamente
possuíam as mãos
E cada pessoa
depois na prisão
se declarou possuidor
da mão que possuía a outra mão
que possuía a rosa
E cada um deles
com grande arrogância
se declarou possuidor
da pessoa do outro
no mesmo teor
em que o eram da rosa
através dum fenómeno
a que chamaram amor
Detiveram-se os três objectos
mas não havendo instrumento
para separar as mãos
dos corpos respectivos
prenderam-se os corpos também
e ainda bem
pois possuindo-se
mutuamente segundo a declaração
bem é que fiquem na prisão
pois todas estas posses
− tanta posse tanta posse −
se verificaram à margem
da Teoria da Tributação
****** Eu José Calcador
****** da Polícia Geral
****** de Sua Majestade Solar
****** El-Rei D. Nabucodonosor
(Carlos Wallenstein)
in «Teoria da Tributação» Poemas, 1966
Etiquetas: Carlos Wallenstein (1921-1990), Paula Rego (1935-) pintora portuguesa
2 Comentários:
UM BELO SERVIÇO À POESIA
Poesia e Pintura que conjugação.
Uma beleza, sentimentos colocados em papel para toda a humanidade.
Parabéns Paula Rego enfim o teu sucesso chegou. Mais vale tarde que nunca
Uivando (Baying) de Paula Rego da série Mulher-Cão
Obra arrematada este mês por 558 100 libras -740 mil euros- um valor recorde no leilão da Sotheby's, em Londres. A obra de arte mais cara de um artista português vendida na últimos dez anos no circuito internacional de arte.
Fevereiro 2008
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