quinta-feira, fevereiro 14

Mocinhas gráceis, fungíveis


Ana Rito «Dragonfly» 2007, textil, fiberglas



Mocinhas gráceis, fungíveis
Mimosas de carne aérea
Que pela erecção dos centauros
Trepais como doida hera!
Por ardentes urdiduras
De Afrodite que abonais
Passais como queimaduras
E tudo em fogo deixais.

Ofegar de onda retida
Na ocupação epidérmica
De serdes a exactidão
Florida da primavera,
Todas de luz invadidas,
Sois, porém, as irreais
Bonecas de sol sumidas
No fulgor com que alumbrais.

Lá do fundo dos desejos
Chegais macias e quentes
Com violas nos cabelos,
Nas ancas, quartos crescentes;
Nas pernas, esguios confeitos,
Na frescura, o vermelhão
De uma alvorada que rompe
Em seios de requeijão.

Enleais, mas se enleadas,
Ó volúveis, ó felinas!
Saltais fazendo tinir
Risadas de turmalinas;
E com as asas do segredo
Que vos faz misteriosas
― Pois sendo divinas, sois
Do breve povo das rosas —,
Adejais de beijo em beijo
Já que para gerar assombros
Vicejam as folhas verdes
Que vos farfalham nos ombros.

Ó doçaria que em línguas
Acres sois torrões de mel,
Quando idoneamente ninfas
Vos vestis da vossa pele!
Se a olhares venéreos furtar-vos
Em roupas não vale a pena,
Pois mesmo vestidas estais
Nuinhas de graça plena,
De esbelta nudez plantai
Róseos calcanhares nos dias
Fugazes, não vá Vulcano
Levar-vos para sombras frias;
Não sequem os anos corpinhos
De aragem que os deuses sopram,
Que os anos são os malignos
Sinos que pela morte dobram.

Mocinhas fúteis que sois
Da vida as espumas altas
Leves de não vos pesar
O peso de terdes almas;
Que essa força de encantar,
Ó belas! cria, não pensa.
Ser perdidamente corpo
É a vossa transcendência.

(Natália Correia)
*

in «O Armistício», 1985

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