«QUANDO O POETA...»
Antoni Tàpies «LLençol» 1988
(mixed technique on cardboard)
- Joan Melia Collection -
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«QUANDO O POETA…»
Quando o poeta se dizia perdido no meio do caminho
desta vida, não sabia como era passados os cinquenta anos
dela − e morreu sem ter chegado aos sessenta.
É tal o tão perigoso e tormentório cabo
de que se morre da traição do corpo
e da traição de todos os amigos. Nós
depois dos cinquenta anos, no dobrar do cabo,
estamos sujeitos às preces mesmo dos melhores amigos:
também eles, como os inimigos, nos desejam mortos,
e querem-se ver livres de quanto nos devam
em lealdade, franqueza, honestidade, puro afecto,
tudo coisas demasiado pesadas na hora de sobreviver
pagando o preço à canalha que se acoita
mesmo no coração do mais virtuoso.
Os indiferentes também rezam pela nossa morte,
porque não anseiam dizer em lágrimas de entusiasmo
como afinal haviam sido amigos íntimos.
Por seu lado, o nosso corpo e o nosso espírito,
cansados de si próprios, fartos de
até prazer e luta e desafio e espera,
anseiam por morrer, se desfazer enfim.
De dentro e fora nos assalta tudo e a morte
horrenda pinta-se das cores da adolescência,
quando sonhávamos que o amor seria
como dormir nos braços maternais. Não é.
Há que resistir porém e sem porquê. Se resistimos,
se dobramos triunfais o Cabo Tormentório,
viveremos longamente ainda umas só décadas
sem dentes nem cabelo mas com vida
que até os inimigos hão-de acabar por sentir
pela carne acima como ardente vara.
Por esse tempo, os nossos amigos já morreram todos.
(Jorge de Sena) *
Londres, 5/2/1973
(in « Conheço o Sal… e Outros Poemas», 1974)
Quando o poeta se dizia perdido no meio do caminho
desta vida, não sabia como era passados os cinquenta anos
dela − e morreu sem ter chegado aos sessenta.
É tal o tão perigoso e tormentório cabo
de que se morre da traição do corpo
e da traição de todos os amigos. Nós
depois dos cinquenta anos, no dobrar do cabo,
estamos sujeitos às preces mesmo dos melhores amigos:
também eles, como os inimigos, nos desejam mortos,
e querem-se ver livres de quanto nos devam
em lealdade, franqueza, honestidade, puro afecto,
tudo coisas demasiado pesadas na hora de sobreviver
pagando o preço à canalha que se acoita
mesmo no coração do mais virtuoso.
Os indiferentes também rezam pela nossa morte,
porque não anseiam dizer em lágrimas de entusiasmo
como afinal haviam sido amigos íntimos.
Por seu lado, o nosso corpo e o nosso espírito,
cansados de si próprios, fartos de
até prazer e luta e desafio e espera,
anseiam por morrer, se desfazer enfim.
De dentro e fora nos assalta tudo e a morte
horrenda pinta-se das cores da adolescência,
quando sonhávamos que o amor seria
como dormir nos braços maternais. Não é.
Há que resistir porém e sem porquê. Se resistimos,
se dobramos triunfais o Cabo Tormentório,
viveremos longamente ainda umas só décadas
sem dentes nem cabelo mas com vida
que até os inimigos hão-de acabar por sentir
pela carne acima como ardente vara.
Por esse tempo, os nossos amigos já morreram todos.
(Jorge de Sena) *
Londres, 5/2/1973
(in « Conheço o Sal… e Outros Poemas», 1974)
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Nota: "Silensis" é o nome da exposição a decorrer na Abadia de Santo Domingo de Silos, em Burgos (Espanha), organizada pelo Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia, onde 24 artistas espanhóis expõem os seus trabalhos ligados à espiritualidade e ao misticismo do local.
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Etiquetas: Antoni Tàpies (1923) artista plástico espanhol, Jorge de Sena (1919-1978) Lisboa
2 Comentários:
Apesar de ser Jorge de Sena detive-me especialmente em Tapies um dos meus pintores preferidos e sobre cujas telas os meus olhos se detêm longamente.
Uma vez que é apreciadora deste artista espanhol, deixo-lhe aqui o link de um post realizado sobre Antoni Tàpis, publicado no blogue Das Artes Plásticas, onde encontrará também a referência à sua Fundação, em Barcelona.
http://dasartesplasticas.blogspot.com/2007/08/antoni-tpies-barcelona-espanha-arte.html
Cumpts.
Fernanda Valente
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