[SOLENEMENTE]; À EMISSORA NACIONAL; FADO DA CENSURA
René Magritte «Le Vertige», huile sur toile
La période vache - 1948
(Collection privée)
[SOLENEMENTE]
Solenemente
Carneiríssimamente
Foi aprovado
Por toda a gente
Que é, um a um, animal,
Na assembleia nacional
Em projecto do José Cabral.
Está claro
Que isso tudo
É desse pulha austero e raro
Que, em virtude de muito estudo,
E de outras feias coisas mais
É hoje presidente do concelho,
Chefe de internormas¹ animais,
E astro de um estado novo muito velho.
Que quadra
Isso com qualquer espécie de graça?
Nada.
A Igreja Católica ladra
E a Maçonaria passa.
E eles todos a pensar
Na vitória que os uniu
Neste nada que se viu,
Dizem, lá se conseguiu,
Para onde agora avançar?
Olhem, vão p’ra o Salazar
Que é a p… que os pariu.
1935
¹ Na edição crítica da IN-CM, «infernanças».
*
René Magritte «L'Ellipse», huile sur toile
La période vache - 1948
(Musées Royaux des Beaux-Arts de Belgique, Bruxelles)
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*
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À EMISSORA NACIONAL
*
*
*
Para a gente se entreter
E não haver mais chatice
Queiram dar-nos o prazer
De umas vezes nos dizer
O que Salazar não disse.
Transmitem a toda a hora,
Nas entrelinhas das danças,
«Salazar disse» (Emissora)
E aí vem essa senhora
A Estada Nova com tranças.
Sim, talvez seja o melhor,
Porque estes homens do estado
Quando falam, é o pior,
E então quando são do teor
Do Salazar já citado!
1935
E não haver mais chatice
Queiram dar-nos o prazer
De umas vezes nos dizer
O que Salazar não disse.
Transmitem a toda a hora,
Nas entrelinhas das danças,
«Salazar disse» (Emissora)
E aí vem essa senhora
A Estada Nova com tranças.
Sim, talvez seja o melhor,
Porque estes homens do estado
Quando falam, é o pior,
E então quando são do teor
Do Salazar já citado!
1935
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René Magritte «La Famine», huile sur toile
La période vache - 1948
(Collection Privée)
*
*
FADO DA CENSURA
Neste campo da Política
Onde a Guarda nos mantém,
Falo, responde a Censura;
Olho, mas não vejo bem.
Há um campo lamacento
Onde se dá bem o gado;
Mas, no ar mais elevado,
Na altura do pensamento,
Paira um certo pó cinzento,
Um pó que se chama Crítica.
A Ideia fica raquítica
Só de sempre o respirar.
Por isso é tão mau o ar
Neste campo da Política.
Às vezes nesta planura,
Se o vento sopra do Norte,
O pó torna-se mais forte,
E chama-se então Censura.
É um pó de mais grossura,
Sente-se já muito bem,
E a Ideia, batida, tem
Uma impressão de pancada,
Como a que dão numa esquadra
Onde a Guarda nos mantém.
O pó parece que chove,
Paira em todos os sentidos,
Enche bocas e ouvidos,
Já ninguém fala nem ouve.
Se a minha boca se move,
Logo à primeira abertura
A enche esta areia escura.
Só trago e me oiço tragar.
É uma conversa a calar.
Falo, responde a Censura.
Vem então qualquer vizinho,
Dos que podem abrir boca;
No braço, irado, me toca,
E diz, «Não vê o caminho?
O seu dever comezinho
De patriota aí tem.
Vê o caminho e não vem?!»
Para isso, bolas aos molhos!
Se este pó me entrou prós olhos,
Olho, mas não vejo bem.
1935
(Fernando Pessoa) *
(in «Contra Salazar», selecção de António Apolinário Lourenço,
Angelus-Novus Editora, 2008)
Neste campo da Política
Onde a Guarda nos mantém,
Falo, responde a Censura;
Olho, mas não vejo bem.
Há um campo lamacento
Onde se dá bem o gado;
Mas, no ar mais elevado,
Na altura do pensamento,
Paira um certo pó cinzento,
Um pó que se chama Crítica.
A Ideia fica raquítica
Só de sempre o respirar.
Por isso é tão mau o ar
Neste campo da Política.
Às vezes nesta planura,
Se o vento sopra do Norte,
O pó torna-se mais forte,
E chama-se então Censura.
É um pó de mais grossura,
Sente-se já muito bem,
E a Ideia, batida, tem
Uma impressão de pancada,
Como a que dão numa esquadra
Onde a Guarda nos mantém.
O pó parece que chove,
Paira em todos os sentidos,
Enche bocas e ouvidos,
Já ninguém fala nem ouve.
Se a minha boca se move,
Logo à primeira abertura
A enche esta areia escura.
Só trago e me oiço tragar.
É uma conversa a calar.
Falo, responde a Censura.
Vem então qualquer vizinho,
Dos que podem abrir boca;
No braço, irado, me toca,
E diz, «Não vê o caminho?
O seu dever comezinho
De patriota aí tem.
Vê o caminho e não vem?!»
Para isso, bolas aos molhos!
Se este pó me entrou prós olhos,
Olho, mas não vejo bem.
1935
(Fernando Pessoa) *
(in «Contra Salazar», selecção de António Apolinário Lourenço,
Angelus-Novus Editora, 2008)
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Nota: As obras de René Magritte referentes à fase "La période vache" encontram-se expostas no museu Schirn Kunsthalle em Frankfurt.
Etiquetas: Fernando Pessoa (1888-1935), René Magritte (1898-1967) pintor belga
1 Comentários:
Parabéns pelo seu blog! É maravilhoso. Gostaria de te pedir uma ajuda. Estou prestes a entregar a minha dissertação de mestrado e utilizo a imagem de uma das telas do Magritte que você reproduz no blog, Le vertige. De fato, foi aqui mesmo que a vi pela primeira vez. Como não a encontrei em livro algum, gostaria de saber de onde você tirou para colocar a referência no meu trabalho. Muito obrigada!
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