DISPOSIÇÕES DE ÚLTIMA VONTADE
(oil on canvas)
- Private Collection -
*
DISPOSIÇÕES DE ÚLTIMA VONTADE
Não me proíbam que seja o imaginário amoroso,
Nem me venham prender
À sua própria cama
Esta vaga mulher que se insinuou na minha alma
E acha o ninho gostoso.
Não me amesquinhem nem reduzam
Só ao que sou por fora e é negado por dentro;
Mas também não me lastimem como quem diz de uma casa:
«Que lindo jogo de varandas!
É pena
Que tenha o forro roto e cheio de ratos.»
Deixem-me dormir,
Dormir maciçamente e com todas as distensões
Semelhantes, no cómodo, à posição dos extintos,
E sem tirar as polainas cor de café com leite
Que usam os rapazes distintos.
Dormir! Estar pràqui quieto e atravessado
Pelos fogos que perderam a direcção dos chamuscos,
Pelos rastos dos cometas que deixaram o lume no céu
E o atilho no mar ― papagaios enormes!
O meu cinzeiro de fumador cá está crescendo; Cá estou fazendo os
Não me proíbam que seja o imaginário amoroso,
Nem me venham prender
À sua própria cama
Esta vaga mulher que se insinuou na minha alma
E acha o ninho gostoso.
Não me amesquinhem nem reduzam
Só ao que sou por fora e é negado por dentro;
Mas também não me lastimem como quem diz de uma casa:
«Que lindo jogo de varandas!
É pena
Que tenha o forro roto e cheio de ratos.»
Deixem-me dormir,
Dormir maciçamente e com todas as distensões
Semelhantes, no cómodo, à posição dos extintos,
E sem tirar as polainas cor de café com leite
Que usam os rapazes distintos.
Dormir! Estar pràqui quieto e atravessado
Pelos fogos que perderam a direcção dos chamuscos,
Pelos rastos dos cometas que deixaram o lume no céu
E o atilho no mar ― papagaios enormes!
O meu cinzeiro de fumador cá está crescendo; Cá estou fazendo os
*********************[versos que hão-de dar «honra às letras».
Que mais querem?
Não é este o célebre Dever e a obrigação de cada um?
Cumprida a qual — desistam
De me pedir a volta ao costumado equilíbrio,
À pacatez forçosa.
Sofro com olhos naturais
E sem sombra de arranjo
O que uma força remota tem necessidade de que eu sofra
E embebe em mim até aos copos da lúcida espada do Anjo.
E, se tenho chagas curáveis,
Cá sei porque é saboroso ir sugando o seu podre!
*
Peço além disso que a terra
Onde nasci ― seja ainda e sempre conservada
A uma boa distância de mim:
Para que quem lá mora tenha o tempo por si para
*****************************[esquecer-me —
Ou então para se lembrar cada vez mais de mim
Enquanto me torno impossível:
Mas lembrar com uma lembrança aguda e intolerável,
Que pense como o mar e seja salgada e repetida
Como cada onda que bate
No rochedo ― até lá por outras ondas seguida:
Onda que não me salva,
Porque estou longe e será para todo o sempre perdida.
Que mais querem?
Não é este o célebre Dever e a obrigação de cada um?
Cumprida a qual — desistam
De me pedir a volta ao costumado equilíbrio,
À pacatez forçosa.
Sofro com olhos naturais
E sem sombra de arranjo
O que uma força remota tem necessidade de que eu sofra
E embebe em mim até aos copos da lúcida espada do Anjo.
E, se tenho chagas curáveis,
Cá sei porque é saboroso ir sugando o seu podre!
*
Peço além disso que a terra
Onde nasci ― seja ainda e sempre conservada
A uma boa distância de mim:
Para que quem lá mora tenha o tempo por si para
*****************************[esquecer-me —
Ou então para se lembrar cada vez mais de mim
Enquanto me torno impossível:
Mas lembrar com uma lembrança aguda e intolerável,
Que pense como o mar e seja salgada e repetida
Como cada onda que bate
No rochedo ― até lá por outras ondas seguida:
Onda que não me salva,
Porque estou longe e será para todo o sempre perdida.
*
E assim ficarei quieto,
Além de ficar restituído
Ao original silêncio;
E, enfim, me irei perdendo…
Porque era realmente disparate,
Como quem acha um cigarro ainda com lume, ter achado
Certo fogo que não pode de modo algum ficar ardendo.
*
Abram as janelas para sair o resto do fumo
E fechem a porta. Não deixem entrar ninguém
E, muito menos, poetas.
Agora sinto-me bem;
Os mortos, na verdade, são umas pessoas completas.
(Vitorino Nemésio) *
E assim ficarei quieto,
Além de ficar restituído
Ao original silêncio;
E, enfim, me irei perdendo…
Porque era realmente disparate,
Como quem acha um cigarro ainda com lume, ter achado
Certo fogo que não pode de modo algum ficar ardendo.
*
Abram as janelas para sair o resto do fumo
E fechem a porta. Não deixem entrar ninguém
E, muito menos, poetas.
Agora sinto-me bem;
Os mortos, na verdade, são umas pessoas completas.
(Vitorino Nemésio) *
1938
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Bibliografia: *
Bibliografia: *
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Etiquetas: Isaac Levitan (1860-1900) pintor judeu russo (Lituânia), Vitorino Nemésio (1901-1978) Açores
2 Comentários:
SE BEM ME LEMBRO (À MEMÓRIA DE VITORINO NEMÉSIO)
Se bem me lembro,
com saudade o faço.
Eu,
e certamente
também vós,
recordo com emoção
o som da sua voz
e aqueles desenhos
que pintava,
enquanto gesticulava,
na nossa imaginação.
Do Homem
tive,
já no seu poente,
uma ténue ligação.
Do Ser
tenho
uma enorme recordação,
presente
e sempre viva no meu coração.
Ele
que é, para mim,
uma nascente
neste desejo de escrever.
Do Mestre,
terei
a eterna convicção
que a sua universalidade
provinha da sua simplicidade.
Se bem me lembro,
com amor o faço ...
Uma homenagem muito justa ao poeta e uma grande honra para este blogue poder contar com tão valioso comentário.
Agradecimentos.
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