quarta-feira, fevereiro 11

À MINHA MÃE E À MINHA TERRA


José Malhoa «O Remédio», séc. XIX
(óleo sobre madeira)
- Museu Nacional Soares dos Reis -
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À MINHA MÃE E À MINHA TERRA

A Ti, minha Mãe que tens o rosto
Dorido e iluminado duma santa,
Todo embebido em lágrimas de Amor,
É que a minha Alma, de joelhos, canta!
A Ti, e à minha Terra, as duas Mães,

Que me criaram juntas num abraço,
Pois ambas me trouxeram no seu ventre,
Ambas me adormeceram no regaço.

E tu, vento de orgulho, que em mim passas
Rugindo a toda hora,
Une-te ao pó:
E agora
Que de toda a minha Alma fique só
A trêmula inocência dum menino
Para que eu reze uma oração de Graças!
Como és, ó mãe!, irmã desta Paisagem
Tão doce, religiosa e comovida,
Com uma parte viva neste mundo
E outra maior que é para além da Vida!
Já, por amor de mim, desses teus olhos,
Postos num rosto triste e macerado,
Como uma fonte prestes a nascer,
Muita lágrima em fio tens chorado
E muitas inda estão para correr.

Também a Terra sofre das raízes,
Que a penetram na ânsia de sugar;
Das Águas que a retalham pra correr,
Das humildes sementes a acordar;
Sofrem os Rios concebendo a Névoa
As Árvores no esforço de se erguer,
E Árvores, Rios, Névoas, tudo sofre
Quando lhes bate o láteo do Vento
Ou se o Sol as devora, calcinante:
E é todo esse profundo Sofrimento
Para que eu num delírio ria e cante!

O vento, em fúria, passa sobre a Terra:
Talvez tu chores minha Mãe agora,
E quando eu canto, para ser Poeta,
Tu choras minha Mãe e a Terra chora.

A graça do teu rosto é já do Céu
Participa de Deus, de Eternidade,
E não se vê melhor estando ao perto:
Mas no vidente enlevo da Saudade,
Olhos fechados, coração aberto...

Tu ensinaste-me a rezar, ó Mãe!
E a minha Terra...: é só olhá-la bem,
Longe até às encostas,
Vêem-se choupos sempre até além...:
É a Paisagem toda de mãos postas!

Só tu podias ser a minha Mãe,
Só tu e mais ninguém
Trazer-me ao peito
É dar-me um leite em lágrimas banhado;
E que a estes meus olhos fosse dado
Só há no mundo este lugar eleito.

Graças, ó minha Mãe!, te venho dar
E a ti, boa Paisagem, também dou
Por meu divino gosto de cantar,
Pela parte mais santa do que sou!

É por amor das lágrimas ardentes,
Que te cavaram sulcos pelo rosto,
É por amor do céu e do Sol-posto,
Do Mar... de ti, Paisagem, que me abraças,
Que eu sou Poeta e canto e choro e rezo
E que vos dou esta oração de graças.

E assim, ó minha Mãe, minha Paisagem,
Ensinai-me a criar como as mulheres
E como a Terra generosa e ruda:
Que sofras , ó minha Alma, as dores do Parto,
Que dês o sangue aos versos que fizeres
Que o sol te queime e o Vento te sacuda!

Minha Mãe, Minha Mãe, ó Minha Santa,
E vós, sagradas Águas e ramagens,
Bendita sejas tu entre as Mulheres,
Bendita sejas tu entre as Paisagens!
*
(Jaime Cortesão) *
*
in «Glória Humilde», Porto 1914

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