OS PEQUENOS ANÚNCIOS
Folkert de Jong «Les Saltimbanques» 2007
(styrofoam, polyurethane, foam and pigment)
*
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OS PEQUENOS ANÚNCIOS
Entre os animais falantes
o poeta é o que mais
diz coisas interessantes
aos colegas racionais.
Diz-lhes que a lua * é de gesso
que o Norte pode ser Sul
que o avanço é retrocesso
e que o céu não é azul.
Diz-lhes que o espaço vazio
está todo por alugar
e que há poemas vagos
de inspiração limitada
em prédios de antologia
bem situados nas letras
com duas assoalhadas
vistas largas * logradoiro
e porteira analfabeta
que serve de vazadoiro
é bem falante * e discreta.
Diz-lhes ainda que sabe
que por motivos urgentes
de autodemolição
há boas peças de pano
de padrão surrealista
a vender ao desbarato
no armazém dum artista
que as salda por desengano
a preços fim de estação.
Informa também haver
senhora de meia idade
com alguns adjectivos
que deseja conhecer
para fins recto-activos
editor de posição
que não se meta em política
seja honrado * quarentão
e tenha amigos na crítica.
Muito em segredo murmura
que uma donzela neurótica
de raiz alentejana
trabalha de literatura
e à luz do candeeiro
borda poemas eróticos
para consumo na cama.
Mais promete por um tema
já usado e descosido
três metros de bom poema
que sirvam para vestir
a pobreza envergonhada
dum menos favorecido
na sorte de produzir
mercadoria rimada.
Em palavras repassadas
de condoída tristeza
lança o apelo patético
duma viúva burguesa
que pede soro poético
para um filhinho que tem
trinta e seis anos de idade
e que se morre não sobe
ao céu da celebridade.
A fim de prestar serviço
às esquerdas e direitas
denuncia o compromisso
duma família insupeita
que prima pelo respeito
porte * limpeza e decência
e que aluga ideias feitas
para curta permanência.
Assim relata o poeta
entre a oferta e a procura
as condições de hipoteca
da moderna * literatura.
Assim disfarça a miséria
fingindo que tem fartura
— que a poesia é coisa séria
e se não for deletéria
poderá ser mordedura
que lhe inocule no sangue
não só veneno de cobra
mas três cruzes de lirismo
que virão minar-lhe a obra
e tolher de reumatismo
a pena com que depena
os patos do modernismo
que podem valer-lhe a pena.
(José Carlos Ary dos Santos) *
Entre os animais falantes
o poeta é o que mais
diz coisas interessantes
aos colegas racionais.
Diz-lhes que a lua * é de gesso
que o Norte pode ser Sul
que o avanço é retrocesso
e que o céu não é azul.
Diz-lhes que o espaço vazio
está todo por alugar
e que há poemas vagos
de inspiração limitada
em prédios de antologia
bem situados nas letras
com duas assoalhadas
vistas largas * logradoiro
e porteira analfabeta
que serve de vazadoiro
é bem falante * e discreta.
Diz-lhes ainda que sabe
que por motivos urgentes
de autodemolição
há boas peças de pano
de padrão surrealista
a vender ao desbarato
no armazém dum artista
que as salda por desengano
a preços fim de estação.
Informa também haver
senhora de meia idade
com alguns adjectivos
que deseja conhecer
para fins recto-activos
editor de posição
que não se meta em política
seja honrado * quarentão
e tenha amigos na crítica.
Muito em segredo murmura
que uma donzela neurótica
de raiz alentejana
trabalha de literatura
e à luz do candeeiro
borda poemas eróticos
para consumo na cama.
Mais promete por um tema
já usado e descosido
três metros de bom poema
que sirvam para vestir
a pobreza envergonhada
dum menos favorecido
na sorte de produzir
mercadoria rimada.
Em palavras repassadas
de condoída tristeza
lança o apelo patético
duma viúva burguesa
que pede soro poético
para um filhinho que tem
trinta e seis anos de idade
e que se morre não sobe
ao céu da celebridade.
A fim de prestar serviço
às esquerdas e direitas
denuncia o compromisso
duma família insupeita
que prima pelo respeito
porte * limpeza e decência
e que aluga ideias feitas
para curta permanência.
Assim relata o poeta
entre a oferta e a procura
as condições de hipoteca
da moderna * literatura.
Assim disfarça a miséria
fingindo que tem fartura
— que a poesia é coisa séria
e se não for deletéria
poderá ser mordedura
que lhe inocule no sangue
não só veneno de cobra
mas três cruzes de lirismo
que virão minar-lhe a obra
e tolher de reumatismo
a pena com que depena
os patos do modernismo
que podem valer-lhe a pena.
(José Carlos Ary dos Santos) *
in «Adereços, Endereços», 1965
Etiquetas: Folkert de Jong (1972-) escultor holandês, José Carlos Ary dos Santos (1936-1984) Lisboa
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