TUDO ASSIM VAI!
Sam Francis «Untitled» 1959, gouache on paper
TUDO ASSIM VAI!
Quando, ríspida e severa,
Adormenta a Natureza!
Quando as árvores despidas,
E as plantas murchas, caídas,
Infundem negra tristeza!
Lá no fundo do Oceano
Canta o rouxinol, ufano,
Para comover corações;
E os peixes, entre os raminhos,
Adejando em torno aos ninhos,
Entoam lindas canções.
Passeia, alegre, o campino,
Bendizendo o seu destino,
Por entre as ondas do mar,
E os navios em descanso
Da paz, o doce remanso
Gozam, em volta do mar.
Na terra o sol esfossando,
Vai comendo e vai roncando,
Com seu focinho rasteiro;
E o porco, lá no horizonte,
Ostentando altiva fronte,
Ilumina o mundo inteiro.
A juventude, enrugada,
Já encara a lousa alçada,
Da campa que a vai sumir;
E a velhice, rubicunda,
Passa uma vida jucunda,
Olhando para o porvir.
Vem agora o fero Estio!
Já tudo treme com frio,
Ruge, forte, o vento irado;
Sai do leito o mar furioso,
Desce o raio impetuoso
Ao chão de neve coalhado.
Por entre as nuvens sombrias,
O fulgor das melancias
Dissipa a negra borrasca;
Nos melanciais virentes,
Das estrelas refulgentes
Se divisa a verde casca.
Nas águas do rio iroso,
Navega o rato orgulhoso,
Com as velas enfunadas;
Enquanto que andam os barcos
Metidos pelos buracos
Das casas arruinadas.
Os defuntos, a tremer,
Com desejo de aquecer,
Buscam serviços activos;
Vão à caça, tocam, dançam,
E quando, lassos, descansam,
Rezam por alma dos vivos.
Vem surgindo o meigo Outono,
E o cuidadoso colono
Principia a semear;
Erguem-se as plantas caídas,
E as árvores, despidas,
Começam a rebentar.
Pelas moutas escondido
O caçador, perseguido,
Se vai de ervas sustentando;
E o coelho, de arma às costas,
Com seus cães, desfaz em postas
Quantos homens vai achando.
A jumenta colhe o vinho
Das ramadas e do linho
Vai à noite à espadelada;
A aldeã anda pastando,
De vez em quando orneando,
Com a orelha levantada.
Anda o lavrador cantando,
De ramo em ramo saltando,
A cauda virada ao ar;
O pisco trata da terra,
E vai buscar mato à serra,
Para o gado se deitar.
Mas já do Inverno a brandura
Adoça a temperatura;
Já nas manhãs aprazíveis
Se não vê o gelo frio,
Que na Primavera e Estio
Causou estragos horríveis.
Já se vê o prado ameno,
E no céu, limpo e sereno,
O sol, a terra queimando;
Tornam-se os bosques sombrios,
Secam-se as fontes e rios,
Vão-se os dias aumentando.
Nas sachas, o lavrador,
Todo banhado em suor,
Chega à noite fatigado;
E depois ao sono brando
Lá se entrega, descansando,
No bosque, à sombra deitado.
Já o gato berrador,
Na rede do pescador
É, lá no rio, caçado;
E a saborosa lampreia
O seu amor patenteia,
Miando sobre o telhado.
Leitor, se não penetraste
O que leste e se julgaste
Aqui mistério profundo,
Direi, por desenganar-te,
Que só intento mostrar-te
Que anda às avessas o mundo.
(Faustino Xavier de Novaes)
in «Poesias Posthumas», 1870
Etiquetas: Faustino Xavier de Novaes (1820-1869), Sam Francis (1923-1994) pintor norte-americano
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